Em frente ao Memorial de Abraham Lincoln, em Washington, o líder negro Martin Luther King discursava para 250 mil pessoas. Seu pronunciamento, conhecido como “Eu tenho um sonho”, entrou para a história dos direitos humanos e da luta pela igualdade racial. As conseqüências desse discurso não se restringem aos Estados Unidos, pois são um marco da consciência em todo o mundo.

Confira a íntegra do discurso:

Estou feliz em unir-me a vocês no dia que entrará para a história como a maior demonstração pela liberdade na história de nossa nação.

Cem anos atrás, um grande americano, em cuja simbólica sombra estamos, assinou a Proclamação de Emancipação. Esse importante decreto veio como um grande farol de esperança para milhões de escravos negros queimados nas chamas da injustiça. Ele veio como uma alvorada para terminar a longa noite de seus cativeiros.

Cem anos depois, porém, o negro ainda não é livre. Cem anos depois, a vida do negro ainda é tristemente inválida pelas algemas da segregação e as correntes da discriminação. Cem anos depois, o negro vive em uma solitária ilha de pobreza em meio a um vasto oceano de prosperidade material. Cem anos depois, o negro ainda adoece nos cantos da sociedade americana e se encontra exilado em sua própria terra. E hoje viemos até aqui para expor essa condição vergonhosa publicamente.

De certo modo, viemos à capital de nossa nação para trocar um cheque. Quando os arquitetos de nossa república escreveram as magníficas palavras da Constituição e a Declaração da Independência, estavam assinando uma nota promissória em relação à qual cada americano seria seu herdeiro. Esta nota era uma promessa de que todos os homens – sim, os homens negros e também os homens brancos – teriam garantidos os direitos inalienáveis de Vida, Liberdade e busca da Felicidade.

Hoje é óbvio que aquela América não apresentou esta nota promissória no que se refere aos cidadãos negros. Em vez de honrar esta obrigação sagrada, a América deu para o povo negro um cheque frio, um cheque que voltou “por falta de fundos”. Mas nós nos recusamos a acreditar que o banco da justiça esteja falido. Nos recusamos a acreditar que o capital seja insuficiente nos cofres de oportunidade desta nação. E por isso viemos trocar este cheque – um cheque que nos dará o direito de reclamar as riquezas de liberdade e a segurança da justiça.

Nós também viemos a esse local para recordar à América da urgência eminente do agora. Este não é o momento para se descansar em sombra e água fresca, nem para tomar o remédio tranqüilizante de medidas paliativas. Agora é a hora de transformar em realidade as promessas de democracia. Agora é a hora de sair da escuridão e do vale das trevas da segregação ao caminho iluminado pelo sol da justiça racial. Agora é a hora de tirar nossa nação das areias movediças da injustiça racial para consolidar a pedra sólida da fraternidade. Agora é a hora de fazer da justiça uma realidade para todos os filhos de Deus.

Seria fatal para a nação negligenciar a urgência deste momento. Este verão sufocante do legítimo descontentamento dos negros não passará até termos um outono renovador de liberdade e igualdade. O ano de 1963 não marca um fim, mas um começo. Aqueles que esperam que o negro precise apenas de uma demonstração de alívio terão um violento despertar se a nação voltar como sempre à rotina.

Não haverá mais tranqüilidade na América até que o negro tenha seus direitos de cidadão garantidos. Os furacões da revolta continuarão a estremecer as bases de nossa nação até que o dia brilhante da justiça venha à tona.

Mas há algo que eu preciso dizer ao meu povo, que permanece em pé, no calor, no caminho que conduz ao palácio da justiça: no processo de conquistar nosso lugar de direito, não devemos nos sentir culpados por ações injustas. Não vamos satisfazer nossa sede de liberdade bebendo da xícara da amargura e do ódio. Devemos sempre conduzir nossa luta num alto nível de dignidade e disciplina. Não devemos permitir que nosso protesto criativo se degenere em violência física. Mais e mais uma vez temos de nos elevar até o majestoso ponto onde a força física encontre a força de alma.

A nova e maravilhosa militância que tomou conta da comunidade negra não deve nos levar a desconfiar de todas as pessoas brancas, pois muitos de nossos irmãos brancos, como se comprova por sua presença aqui hoje, entenderam que o destino deles está unido ao nosso. Eles perceberam que sua liberdade está indissociavelmente ligada à nossa liberdade. Não podemos caminhar sozinhos. E enquanto caminhamos, temos de prometer que marcharemos sempre à frente. Não podemos retroceder.

Há aqueles que perguntam aos defensores dos direitos civis: ‘Quando vocês estarão satisfeitos?’ Nós nunca estaremos satisfeitos enquanto o negro for vítima dos horrores indizíveis da brutalidade policial. Nunca estaremos satisfeitos enquanto nossos corpos, pesados com a fadiga da viagem, não puderem ter hospedagem nos motéis das estradas e hotéis das cidades. Não poderemos estar satisfeitos enquanto a mobilidade básica de um negro for de um gueto menor para um gueto maior. Nunca poderemos estar satisfeitos enquanto nossas crianças forem despidas de sua auto-estima e roubadas em sua dignidade vendo cartazes com as palavras “Só Para Brancos”. Não estaremos satisfeitos enquanto um negro não puder votar no Mississipi e um negro em Nova Iorque acreditar que não tem motivo para votar. Não, não, nós não estamos satisfeitos e não estaremos satisfeitos até que a justiça e a retidão jorrem como águas de uma poderosa correnteza.

Eu não me esqueci que alguns de você vieram até aqui após grandes provas e sofrimentos. Alguns de você acabaram de sair de celas estreitas das prisões. Alguns de vocês vieram de áreas onde a busca pela liberdade os deixou feridos pelas tempestades das perseguições e pelos ventos de brutalidade policial. Vocês são os veteranos do sofrimento. Continuem trabalhando com fé, pois o sofrimento imerecido é redentor.

Voltem para o Mississippi, voltem para o Alabama, voltem para a Carolina do Sul, voltem para a Geórgia, voltem para Louisiana, voltem para as favelas e guetos de nossas cidades do norte, sabendo que de alguma maneira esta situação pode e será modificada.

Eu digo a você hoje, meus amigos: Não fiquem chafurdando no vale de desespero. E embora enfrentemos as dificuldades do hoje e do amanhã, eu ainda tenho um sonho. É um sonho profundamente enraizado no sonho americano.
Eu tenho um sonho de que um dia esta nação se levantará e viverá o verdadeiro significado de sua crença: “Manter as raízes da verdade óbvia: de que todos os homens são criados iguais”.

Eu tenho um sonho de que um dia nas colinas vermelhas da Geórgia os filhos dos descendentes de escravos e os filhos dos donos de escravos poderão se sentar junto à mesa da fraternidade.

Eu tenho um sonho de que um dia, até mesmo no estado do Mississippi, um estado deserto, que transpira com o calor da injustiça e da opressão, se transformará em um oásis de liberdade e justiça.

Eu tenho um sonho de que minhas quatro pequenas crianças viverão um dia em uma nação onde não serão julgadas pela cor da pele, mas pelo conteúdo de seu caráter.

Eu tenho um sonho hoje!

Eu tenho um sonho de que um dia, no Alabama, com seus racistas cruéis, com seu governador de cujos lábios gotejam palavras de intervenção e negação; um dia lá mesmo no Alabama meninos negros e meninas negras poderão unir as mãos com meninos brancos e meninas brancas como irmãs e irmãos.

Eu tenho um sonho hoje!

Eu tenho um sonho de que um dia todos os vales serão elevados, cada colina e montanha serão abaixados, os lugares ásperos serão aplainados e os lugares tortuosos serão endireitados e “a glória do Senhor será revelada e todos os seres estarão unidos”.

Esta é nossa esperança. Esta é a fé com que regressarei para o Sul.
Com esta fé nós poderemos extrair da montanha do desespero uma pedra de esperança.

Com esta fé poderemos transformar as discórdias estridentes de nossa nação em uma bela sinfonia de fraternidade.
Com esta fé nós poderemos trabalhar juntos, rezar juntos, lutar juntos, ir para a cadeia juntos, defender a liberdade juntos, sabendo que um dia seremos livres todos seremos livres.

E, este será o dia… este será o dia em que todas as crianças de Deus poderão cantar com um novo significado. ‘Meu país, você, doce terra de liberdade, para você eu canto. Terra onde meus pais morreram, terra do orgulho dos peregrinos.
Em torno de cada montanha, que ressoe a liberdade!
E se a América tiver de ser uma grande nação, que isto se torne verdadeiro.

E então deixe que a liberdade ressoe no extraordinário topo da montanha de New Hampshire.

Deixe que a liberdade ressoe nas poderosas montanhas de Nova York.

Deixe que a liberdade ressoe nos engrandecidos Alleghenies da Pennsylvania.

Deixe que a liberdade ressoe na neve das Rockies do Colorado.

Deixe que a liberdade ressoe nos inclinadas curvas da Califórnia.

Mas não é só isso.

Deixe que a liberdade ressoe na montanha de Pedra da Geórgia.

Deixe que a liberdade ressoe nos mirantes do Tennessee.

Deixe que a liberdade ressoe em cada colina do Mississipi.
Em torno de cada montanha, que ressoe a liberdade!

E quando isto acontecer, quando permitirmos que a liberdade ressoe, quando deixarmos que ele ressoe em cada aldeia, em cada vilarejo, em cada estado e em cada cidade, poderemos então acelerar o dia em que todas as crianças de Deus, homens pretos e homens brancos, judeus e gentios, protestantes e católicos, poderão unir as mãos e cantar as palavras da nossa velha canção: ‘Livres finalmente! Livres finalmente! Agradeço ao Deus Todo-Poderoso, nós somos livres finalmente!’